Práticas encarnadas entre Lisboa e Fortaleza: Notas e anotações pelos lugares e espaços das cidades

 

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Esta fala tem como foco o debate acerca das experiências que elaboramos no e com o espaço urbano. Não se trata de discutir, em um viés estritamente teórico, temas como coreografia, dramaturgia e memória social, mas perceber como tais operações se dão no corpo. Trata-se de entender esses procedimentos não só como práticas textuais encarnadas, como aponta Helen Thomas, a partir da perspectiva da notação de movimentos e de sons, ou dos debates dramatúrgicos aí engendrados, mas também, e principalmente, como opções políticas e estéticas materializadas nos corpos que atuam, e são atuados, nas e pelas cidades.

A intenção ao tecer redes, construir caminhos, realizar e performar caminhadas sinaliza a preocupação em compartilhar questões que surgem nos dois lados do Atlântico: experiências sensoriais, de cheiros, sons, cores e paladares, percebidas a partir de um arsenal prático-teórico, que aproximam, assim como afastam, as confabulações entre essas margens oceânicas, propiciando sentidos de pertencimento e, ao mesmo tempo, de exclusão. Pois, como paisagens sonoras que criam lugares, os deslocamentos daí advindos, forjam fisicalidades distintas que se transformam, produzem e inventam o corpo também como lugar em que a memória se instaura. Uma escrita da memória que se faz no e com o corpo em sua interação com o espaço, em uma coreografia e dramaturgia próprias: sons, cheiros, imagens que são ressignificados constantemente, (re)construindo representações e apontando embates identitários.

Ao tornar possível essa reconstrução, a operação memorável não expõe o que ficou para trás, de maneira imutável, reproduzindo, simplesmente, experiências passadas. Ao contrário, aponta o que, e como, pode ser lembrado no aqui e agora. Um passado (re)construído a partir de demandas, recursos e processos seletivos efetuados no presente.

Como construção humana que se realiza no tempo, a memória não é um dado fixo e invariável, mas um processo de ressignificação elaborado a partir de percepções e questionamentos feitos no agora. Não se trata de resgatar algo deixado para trás, termo usualmente relacionado ao ato de rememorar, mas perceber que a memória, mesmo necessitando do passado para sua realização, está ancorada no tempo presente.

Beatriz Cerbino (Universidade Federal Fluminense)

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Professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), no curso de graduação em Produção Cultural e no Programa de Pós-Graduação em Estudos Contemporâneos das Artes (PPGCA). É pesquisadora do INCT Proprietas, colaboradora do Dança em Foco e da Rede Ibero-americana de Videodança – REDIV, e curadora da mostra Redes Confluentes.