Os Filhos de Abel, caminhar como experiência artística ecológica
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“Os Filhos de Abel” foi o exercício final dos alunos do terceiro ano da Escola Superior de Teatro e Cinema, e nasceu durante o segundo confinamento de 2021. Perante o edifício da Escola fechado, a orientadora do seminário lançou um repto aos seus 10 alunos: “porque não construir um espectáculo a andar?” Começaram por aí. Iniciavam os encontros na plataforma Zoom às 9h e partiam com mapas, com ideias, com sugestões. Ao final de cada passeio, reencontravam-se no quadradinho do Zoom e trocavam impressões. Estes passeios deram-se um pouco por todo o país e o objecto final acabou por ficar repleto de geografia e de reflexões eco filosóficas sobre a arte.
Vivemos na era do Antropoceno, numa era onde o ser humano é a força geofísica maior, capaz de criar a sua própria extinção. E, no entanto, no dia a dia, quando caminhamos, não sentimos a tempestade que se avizinha. Vivemos num mundo distorcido que, contra todas as evidências, nos parece arrumado, “normal”, mesmo em tempos de pandemia. As prateleiras dos supermercados continuam cheias, os caminhos continuam aparentemente acessíveis. Não vemos a calamidade a acontecer, ela é contínua.
As coisas, quando acontecem e não incomodam, não se veem. Não sabemos muitas vezes de que é feito o chão que pisamos a não ser quando tropeçamos no caminho. Não compreendemos a força excessiva do mar a não ser na presença de um tsunami. Como pode entrar a arte, mais especificamente a performance, neste processo de compreensão e releitura do mundo?
Para ver melhor ou para tornar o invisível visível, é preciso ampliar a sua acção ou retirar as coisas do seu contexto, e é isso que um espectáculo faz: retira as coisas do seu lugar habitual, para as colocar noutro sítio e poderem ser observadas em detalhe. A arte é também uma forma de despertar outros sentidos, físicos e intelectuais, sobre o que nos rodeia, é uma forma de cuidarmos sem objectivo, sem olhar a natureza como recurso, mas como casa, como ser. Cada criação artística é, por um lado, uma tentativa de aceder ao princípio mais elementar de tudo, enquanto é também o exercício de desenhar o futuro, colocando as peças que todos conhecemos numa outra posição, surpreendendo-nos. A Arte é uma forma de renovar o encontro com o Mistério, prestando-lhe atenção sem o querer desvendar. Um encontro com a Beleza sem a medir. Com o Tempo. Com a Verdade.
Como nos diz Timothy Morton, em Toda a Arte É Ecológica, “a arte é um lugar que procuramos habitar para tentar perceber o que significa ser humano em relação com o não-humano: o mundo, as coisas, os elementos.” E talvez seja essa uma forma urgente de sermos, de estarmos e de pensarmos (n)o mundo, disponibilizando-nos para transformações desejáveis.
A partir de um documentário sobre o processo e apresentações de Filhos de Abel, queremos reflectir em que medida a fruição estética de um projecto artístico pode ser uma forma de espoletar uma atitude ecológica transformadora no espectador e no performer.
Patrícia Portela (Prado, Associação Cultural e Escola Superior de Teatro e Cinema)
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Autora de performances e obras literárias, vive entre Portugal e Bélgica. Estudou cenografia, cinema, dramaturgia, dança e filosofia. É reconhecida nacional e internacionalmente pela peculiaridade da sua obra e recebeu por ela vários prémios. Autora de vários romances e novelas, e cronista no JL desde 2017.
Luca Aprea (Prado, Associação Cultural e Escola Superior de Teatro e Cinema - IPL)
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Encenador e investigador em teatro e artes performativas. Doutoramento em Motricidade Humana – especializado em Dança – pela FMH / Universidade de Lisboa. Investigador do INET-md (polo FMH). Diretor do Departamento de Teatro da Escola Superior de Teatro e Cinema do Instituto Politécnico de Lisboa.