(Des)compassos Cotidianos: Práticas de visitação

 

[PT]

Perguntas costumam gerar movimento, pois deslocam o lugar do sabido em busca de algo que ainda não está estabelecido e precisa ser descoberto ou inventado, seja de caráter simbólico ou físico. Nessa direção, questões sobre a prática da deriva ou do caminhar como prática estética tem movimentado processos sensíveis no campo da arte integrada a outras disciplinas, incentivando pesquisas apoiadas na investigação das relações entre corpo/cidade, corpo/natureza e corpo/comunidade.

Este estudo tateia modos de criação que tenham o potencial de impulsionar o corpo pelo espaço do não-sabido, trazido pelos passos-perguntas no decorrer do próprio ato de pisar o chão. E é nesse jogo de questionamentos, que desencadeiam ações que produzem efeitos de sentidos e convocam uma ética responsiva do corpo em relação ao espaço, que emerge um conjunto de práticas voltadas para os processos de “visitação”.

Quem visita uma casa, por exemplo, permanece por um tempo em determinado lugar, aprende a observar os detalhes e a percorrer o ambiente de maneira respeitosa e atenta. Traz um corpo curioso que elabora perguntas (mesmo que imaginárias), deixando-se encantar pela experiência que se apresenta no encontro com aquele(s) corpo(s) e espaço(s) específicos. Dessa forma, proponho aproximar a prática de visitação da caminhada e transferir essa experiência de acolhimento e cuidado para o espaço da rua, como um espelho, que reflete formas e modos de interação sócio-cultural e urbana.

Deixo-me mover pelas seguintes perguntas: caminhar pode ser dispositivo de organização de relação subjetiva e dialógica entre sujeito e espaço hoje? Em que medida a prática artística associada aos processos inventivos que atravessam o corpo na cidade tem o potencial de produzir efeitos de conectividade entre pessoas e lugares desconhecidos?

Essas indagações revelam um duplo efeito no corpo, que, ao caminhar, risca com seus pés o chão do cotidiano, ao mesmo tempo em que tem suas bordas re-desenhadas pela experiência encarnada no espaço (urbano).

Nesse jogo sutil de equilíbrio e desequilíbrio gerado entre um passo e outro, procuro mapear a prática de visitação no processo da caminhada a partir da ideia da “trifurcação dos sentidos”: significado, percepção e direção. O estudo busca propor práticas metodológicas que possam ativar o saber produzido no chão da experiência que apoia o corpo em seu ato cotidiano, como forma de promover novos arranjos de si no/do mundo.

 

Marília Ennes (UNICAMP/UFRJ/ParaladosanjoS)

[PT]

Marília Ennes é artista e sonhadora. Fundadora/co-diretora da Cia ParaladosanjoS (Brasil), pesquisadora doutoranda pela Unicamp (SP) e Professora assistente do departamento de Arte Corporal da UFRJ. Seu trabalho abrange o teatro físico, visual e o circo contemporâneo. Seus projetos flertam com campos híbridos da arte, criação responsiva e polinização de ideias e práticas.