Conversar com Árvores

Interlocuções transespecíficas na Era do Antropoceno

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No trânsito entre as artes visuais e cênicas, a presente pesquisa toma o fazer artístico como exercício comunicativo, na porosidade entre o corpo, o Outro e a Terra, à luz de princípios de cosmologias animistas ameríndias e africanas. Neste contexto, a performance é compreendida como abertura a um estado sensível de trocas com um Outro extra-humano, e praticada como uma forma de tecer conversas, que, no presente estudo, são empreendidas com indivíduos de um grupo heterogêneo de seres que classificamos como árvores. Diferentemente do antropocentrismo, o cerne do animismo não é o homem e sim a sociabilidade entre todos os seres – no qual o ritmo é um elemento primordial nas relações. A partir das noções de ritmo, vibração, luz e som, provenientes da cultura Guarani – conforme apresentadas pelo escritor tapuia, Kaká Werá Jecupé – e das tradições animistas africanas, conforme relatadas pelo escritor e etnólogo malinês Amadou Hampâté Bâ, o estudo busca o entrelaçamento de perspectivas não antropocêntricas que, a partir de outras vivências e noções sobre tais elementos, produzem relações comunicativas com a alteridade. Ao situar a performance na gênese de interlocuções transespecíficas, oriundas destas outras sensibilidades sobre o real, parto da premissa de que, nas culturas aqui referidas, a performance possui um caráter transtemporal e múltiplo – sendo simultaneamente processo, práxis e fenômeno reiterativo entrelaçado a outras práticas e domínios. Tratamos aqui de campos de saberes, que primam pela interseção dos sentidos e que são geridos por uma interação contínua entre diferentes planos, nos quais participam humanos e extra-humanos. Desse modo, processos criativos correlatos em pintura e cenografia digital são apreendidos como transdutores das vivências tecidas pelas performances-conversas. Objetiva-se, assim, investigar como o fluxo vibracional relacional, urdido na performance e transduzido pelos sentidos, continua em devir através de outros corpos materiais, digitais, sonoros e/ou luminosos. O estudo, portanto, caminha na direção contrária à noção de evento antropocêntrico singular, que marca a perspectiva da performance como gênero artístico na arte moderna e contemporânea. Visa, sob outra perspectiva, tratar da potência conectiva e criativa da performance – em sua imbricação aos sentidos – como um processo fluido, que reverbera para além do humano e do momento de seu acontecimento. Ao entrelaçar o animismo à arte contemporânea, busco, por meio de práticas e perspectivas decoloniais, alimentar noções não-normativas na criação artística e corroborar para a manutenção do espaço social entre o humano e o extra-humano, em múltiplas dimensões entre o visível e o invisível. Historicamente, a relacionalidade com entidades naturais, como uma maneira de estar no mundo, que fundamenta as cosmologias animistas, contraria não só a concepção da ciência moderna de uma natureza como matéria a ser objetivada, mas também a normatividade colonial. Em um momento em que mudanças no macroambiente terrestre, decorrentes da ação humana, demandam alternativas de pensamento, convenções hegemônicas acerca do que é considerado vida, conhecimento, linguagem ou comunicabilidade se contrapõem às necessárias mudanças de paradigmas. A presente pesquisa, cuja primeira fase foi desenvolvida na Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, teve sua segunda etapa iniciada no Parque Florestal de Monsanto, em Lisboa, em dezembro passado.

Christiane da Cunha (UNIRIO)

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Doutoranda em Artes Cênicas na UNIRIO e mestre em Estudos Contemporâneos das Artes pela UFF. Atuando entre as artes visuais e cênicas, realizou diversas exposições e produções no Brasil e internacionalmente. Christiane é cofundadora e codiretora do coletivo de arte transmídia: Kawin.