Caminhadas Sensoriais ou um Manifesto para Desacelerar o Tempo Citadino

 

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Partindo da partilha de sons, imagens, texturas e percepções cinestésicas resultantes das caminhadas realizadas no âmbito do projeto TEPe, esta apresentação vem propor o corpo em movimento como modo de re-conhecer e investigar a cidade desacelerando o tempo citadino.

Caminhando pela cidade em serendipidade, em modo de descoberta e encantamento: como é a experiência do corpo na cidade quando a percorre simplesmente para a sentir ou para sentir-se nela? Cada passo em frente oferece uma nova perspetiva, um novo alento. Mas no detalhe de cada passo surge também uma ambiguidade deliciosa: uma sensação de poder, poder alcançar mais longe, poder atravessar-se no espaço, poder jogar com a força de gravidade, poder transferir-me de um pé para outro, de um agora para depois, mas também uma sensação de risco porque em cada passo se exercita um pequeno desequilíbrio, uma pequena queda. Como diz Laurie Anderson na sua canção “Walking and Falling”: “With each step you fall forward slightly. / And then catch yourself from falling. / Over and over, you're falling.” No seu movimento, o corpo revela-se uma preciosa ferramenta e modo de investigação, basta reaprender a escutá-lo, sentir os seus afetos em todos os sentidos e em cinestesia e sinestesia.

Como é este corpo que percorre a cidade em serendipidade?

É talvez essencialmente um corpo em reencantamento e resistência. Um corpo que se reencanta com as texturas da calçada, com duas espécies diferentes de pássaros que partilham os restos de comida do chão, com a vontade de conversar com aquele mendigo curvado sob um prédio em ruínas, para ouvir as suas histórias e até mesmo com o nojo de um cheiro nauseabundo de urina e álcool vomitado. E é também um corpo que em surdina vai gritando resistência. Logo no ato de caminhar por caminhar, ele reafirma-se num movimento básico de resistência à força grave da terra mãe, que o agarra e suporta. No ato de caminhar por caminhar, o corpo resiste à força da inércia confrontando-a com a sua força de vontade e respirando mais intensamente.

Neste caminhar serendípio e sensorial, o corpo enfrenta e resiste a padrões e lógicas citadinas atuais. Por exemplo: caminhando num tempo indefinido, ele resiste à tirania da velocidade de que Paul Virilio nos alerta. A velocidade é uma embriaguez que nos faz chocar contra o muro do tempo; onde fica a percepção do mundo sensível e a empatia entre os seres humanos? – questiona Virilio. Neste acto de caminhar, o corpo resiste ainda a uma atitude funcional e consumista, propondo, como sugere Bruno Latour, o abandono da produção como único princípio de relação com o mundo. Aqui o corpo intervém na cidade sem um fim determinado a não ser experienciar-se nela, revelando-se um corpo mais plástico e aberto, transferindo-se de uma perspetiva para outra e atravessando-se de uma relação para outra.

 Cecília de Lima (INET-md FMH | Universidade de Lisboa)

 

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Doutorada na especialidade de Dança pela Universidade de Lisboa. Mestre em coreografia pelo ArtEZ University of the Arts (NL). Professora da Faculdade de Motricidade Humana. Desenvolve investigação no campo da relação da dança com fenomenologia, ciências cognitivas, práticas somáticas, educação pela arte e digital media art. URL: www.ceciliadelima.com