Caminhar na cidade de Lisboa como contraponto da dança

 

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Muitos artigos encontrados sobre o ato de caminhar procuram refletir sobre a cidade, a mobilidade e o desenvolvimento do território. Como ideia subjacente, existe o desejo de encontrar uma forma harmoniosa de partilhar o espaço urbano entre diferentes formas de se deslocar e de experienciar a cidade. Esta comunicação procura apenas refletir sobre a prática atual, sem pretender alterar nada, somente desviar o ponto de vista. Propomos olhar para a caminhada como performance no espaço público, pensando este ato performativo como o contraponto da dança, objeto central do projeto de Investigação TEPe. A tecnologia aqui é a própria cidade, os modos de movimentar-se e comunicar, a articulação entre estes modos, assim como os próprios comportamentos “mecanizados” da sociedade europeia do século XXI. Em termos de desenvolvimento motor, a mecanização ou automatização celebra o momento em que não é mais preciso pensar para realizar um certo movimento. Ora, um dançarino procurará o contrário, manter-se alerta e inquieto, pois um corpo mecanizado dificilmente permanece expressivo ao perder a sua reflexividade! O que será da experiência do caminhante em Lisboa? Como viver a cidade estando sozinho e ao mesmo tempo rodeado por desconhecidos? Como se conectar com o momento presente?

A partir da análise de entrevistas realizadas a cidadãos do mundo sobre a sua experiência de caminhar, vários temas surgiram como ponto de convergência entre o caminhar e o dançar. Trata-se das ações e dos ritmos próprios da cidade: subir, descer, desviar-se, mover-se, parar, acelerar, abrandar, silenciar, sonorizar. Várias personagens surgiram no cenário lisboeta, nomeadamente o rio Tejo, os bairros e os Santos Populares.

Em vez de introduzir Steve Paxton e a sua investigação sobre o ato de caminhar, o ponto de partida desta comunicação é a obra de Pierre Sanchis sobre as romarias portuguesas, onde o caminhar e o dançar podem ser vistos como os dois momentos que enquadram a liminaridade daquele tipo de ritual. Esta abordagem antropológica permite investigar a noção de teatralização da vida quotidiana e, de forma mais abrangente, situar a dimensão estética contida no ato de caminhar. Torna-se aqui óbvio que a referência ao modelo de flânerie vigente na caminhada oitocentista se mantém presente na atualidade.

Por outro lado, surge nas entrevistas uma visão política do corpo na cidade contemporânea. Ao escolher deliberadamente andar a pé quando sai do trabalho, um entrevistado introduz a noção de quebra de ritmo “imposto” (commuting), de valorização de uma certa desaceleração e de uma recontexualização da mobilidade na cidade. A nosso ver, a corporização contida no ato de caminhar na cidade passa por tirar a cidade de uma perspetiva paisagística a fim de ressensorializá-la e ressociabilizá-la.

A metodologia aplicada neste trabalho baseia-se na análise de entrevistas, realizadas no âmbito do Projeto TEPe. Inspiradas pela técnica de explicitação de Pierre Vermersch, procurou-se questionar a experiência vivida da cidade. O resultado da análise temática das entrevistas é confrontado com a literatura sobre o tema, complementado por obras em antropologia e estudos em dança.

Sophie Coquelin (INET-md FMH | Universidade de Lisboa)

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Sophie Coquelin é doutoranda em Motricidade Humana, especialidade de Dança, na Faculdade de Motricidade Humana (ULisboa). Está a finalizar a escrita da tese que incide sobre o baile de chamarritas na ilha do Pico, sob orientação do Prof. Daniel Tércio. No âmbito do projeto TEPe, tem uma bolsa de investigação.